Medida assegura à custodiada um ambiente que respeite sua condição e reduza os riscos de violência e discriminação
A Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF), por meio do Núcleo de Assistência Jurídica de Segundo Grau e Tribunais Superiores, obteve uma decisão importante na luta pela dignidade e pelo respeito à identidade de gênero de pessoas privadas de liberdade. A instituição assegurou que Samanta Batista Almeida, mulher trans condenada a uma pena de 38 anos e sete meses de reclusão, seja transferida para um estabelecimento prisional compatível com o gênero com o qual se identifica. A medida garante que a custodiada possa cumprir pena em um ambiente que respeite sua condição e reduza os riscos de violência e discriminação.
A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi tomada após uma série de indeferimentos por parte da Justiça de primeira instância, que havia negado o pedido de transferência com base em oscilações anteriores da própria custodiada sobre o local em que desejava cumprir pena. No entanto, o STJ reconheceu que a identidade de gênero é um direito fundamental e que a pessoa privada de liberdade deve ser ouvida e respeitada em sua escolha, especialmente quando essa decisão impacta diretamente sua integridade física, psíquica e emocional.
Samanta, civilmente registrada como Rafael Batista Almeida, estava inicialmente recolhida em uma unidade prisional masculina. No curso do cumprimento da pena, solicitou a transferência para um presídio feminino, o que foi autorizado pela Justiça. Após algum tempo, expressou arrependimento e requereu o retorno à unidade masculina, onde permaneceu por novo período. Posteriormente, Samanta voltou a manifestar desejo de ser custodiada em unidade feminina, com base em sua identidade de gênero.
Contudo, o novo pedido foi indeferido pelo juízo da Vara de Execuções Penais do DF, sob o argumento de que a oscilação anterior de escolha da reeducanda indicaria instabilidade quanto à sua real vontade. Diante disso, a DPDF, por meio do Núcleo de Execuções Penal (NEP/DPDF), recorreu da decisão, defendendo que a mudança de posicionamento não descaracteriza o direito fundamental de Samanta de cumprir pena em local compatível com sua identidade de gênero.
Para o Defensor Público-Geral, Celestino Chupel, negar o pedido representa violação de direitos humanos, especialmente no que se refere à dignidade da pessoa humana, ao princípio da não discriminação e ao direito à autodeterminação de identidade de gênero. “A atuação da DPDF reforça seu compromisso com a defesa intransigente dos direitos fundamentais, especialmente das populações mais vulneráveis, como pessoas LGBTQIAPN+ em situação de cárcere. Esse caso evidencia a importância de políticas públicas sensíveis às especificidades da população trans, inclusive no sistema penitenciário, local em que essas pessoas ainda enfrentam altos índices de violência, discriminação e abandono institucional”, explicou.
Para o Defensor Público e coordenador do Núcleo de Assistência Jurídica de Segundo Grau e Tribunais Superiores da DPDF, Fernando Antônio Calmon Reis, garantir que uma pessoa trans seja ouvida, respeitada e protegida dentro do sistema prisional é uma obrigação do Estado. “A identidade de gênero é uma expressão da liberdade individual. Oscilações de escolha não podem ser usadas para negar o direito de alguém ser quem é. A sensibilidade e o senso de justiça humana e fraternal do ministro Reynaldo Soares da Fonseca foi determinante para o resgate da dignidade humana da assistida da DPDF em situação de cumprimento de pena”, afirmou.
A Defensoria Pública do DF continuará acompanhando o caso e adotando todas as medidas legais cabíveis para assegurar a proteção dos direitos de Samanta e de outras pessoas trans privadas de liberdade, reafirmando seu papel essencial na promoção da justiça, da equidade e da dignidade.
Conselho Nacional de Justiça
Embora não exista uma lei ou um tratado internacional que estabeleça expressamente o local de custódia para pessoas trans, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução nº 348/2020, alterada pela Resolução nº 366/2021, determinou que o magistrado responsável pela execução penal deve indagar a pessoa autodeclarada parte da população transexual sobre sua preferência quanto ao local de cumprimento da pena, assegurando-lhe o direito de escolher o tipo de unidade prisional – feminina, masculina ou espaço específico.
A Resolução nº 348/2020 estabelece ainda que essa escolha deve ser registrada formalmente no processo e revista sempre que houver alteração da manifestação de vontade da pessoa custodiada, garantindo flexibilidade diante das circunstâncias particulares de cada caso.
Por Jane Rocha
ASCOM | 20 de maio de 2025 | 10:13